Albert Einstein foi o cientista mais popular de toda a história. Seu rosto é o único que a maioria das pessoas reconhece como o de um gênio - especialmente naquela foto na qual, irreverente e cabeludo, ele mostra a língua para o fotógrafo. Não é para menos. Einstein revolucionou o conhecimento do homem sobre a natureza. Complicado é explicar, cientificamente, de onde vinha todo esse talento.
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São 180 fragmentos de seu cérebro, embrulhados em pequenos pacotes de gaze e boiando em álcool dentro de dois potes de biscoito dos anos 50. Na sala apertada do patologista-chefe, localizada a poucos metros da portaria do hospital, o que resta de Einstein divide uma prateleira com microscópios, relatórios e pilhas de prontuários médicos. "Muita gente pede para vê-lo ou quer levá-lo para estudos ou exposição, mas eu raramente digo sim", explicou a VEJA. "Prometi cuidar bem desse cérebro e agora essa missão de guardião se tornou parte da minha vida".
A inteligência é a mais intrigante entre as capacidades do cérebro humano. A primeira dificuldade é entender o quê, exatamente, é a inteligência? A definição dada a VEJA por Shane Legg, da Unidade de Cálculo e Neurociência da Faculdade de Londres: "A definição técnica inclui a habilidade de tomar decisões, o poder de agir de maneira rápida e sensata em diversas circunstâncias, além de considerar que o indivíduo esteja apto a aprender, a se adaptar rapidamente, que tenha boa memória, capacidade de foco e pensamento rápido, lógico e soluções criativas para novos problemas".
O segundo desafio é onde, entre os bilhões de neurônios do cérebro, o cientista deve procurar sua origem e mecanismos. Para um olhar destreinado, o cérebro de Einstein seria uma decepção. Segundo o médico-legista, o órgão pesava 1 230 gramas, menos que a média masculina, que é de 1 400 gramas. O volume também estava 4 centímetros abaixo da média. Essa atrofia provavelmente era uma decorrência da idade (o cientista morreu com 76 anos), o que é perfeitamente normal. O número de sinapses e a velocidade de formação de novos neurônios diminuem a partir dos 35 anos. A quantidade de neurônios também se reduz. Um cérebro excepcionalmente bem dotado de conexões na juventude pode, com o passar do tempo, ficar mais próximo da média.
O que se descobriu de mais relevante sobre o cérebro de Einstein pode ser exemplificado em cinco grandes pesquisas, realizadas por instituições científicas de primeira linha nos últimos 25 anos. O estudo mais antigo é da anatomista Marian Diamond, da Universidade da Califórnia em Berkeley, publicado em 1984. Ela recebeu quatro lâminas microscópicas do córtex parietal dentro de um pote reutilizado de maionese e contou as células em cada sessão. Notou então que a concentração de células gliais em relação aos neurônios era maior no lobo parietal inferior esquerdo onze cérebros usados como comparação. O lobo parietal é uma área no topo do crânio, acima da nuca, responsável pela noção de espaço e pelo pensamento matemático. Uma interpretação possível é a de que os neurônios de Einstein usavam e necessitavam de maior energia. Daí se pode inferir sua inteligência superior. Infelizmente, como não havia nenhum gênio entre os onze outros cérebros, não foi possível estabelecer um padrão.
A pesquisa mais citada entre os cientistas é a da neurocientista Sandra Witelson e sua equipe na Universidade McMaster, em Ontário, que também localizou peculiaridades anatômicas no lobo parietal, em 1999. Com mais de 80 anos, Harvey foi sozinho de carro ao Canadá entregar a amostra e terminou por assinar a pesquisa como co-autor. Comparado com os cérebros de 35 outros homens, o de Einstein era 15% maior e mais largo exatamente na parte responsável pelo processamento do pensamento matemático e pela concepção espacial. Além disso, não tinha os sulcos que separam as duas porções dessa região, o que, em teoria, facilitaria a comunicação entre os neurônios ali situados. O resultado seria uma forma de pensar mais eficiente e inovadora, na opinião da pesquisadora. "A extrema habilidade do raciocínio visual e matemático de Einstein pode ser explicada por essa anatomia incomum", disse Witelson a VEJA.
Outros dois estudos percorrem caminhos similares, mas em outras áreas do cérebro. A neurologista Dahlia Zaidel, da Universidade da Califórnia, observou que os neurônios do lado esquerdo do hipocampo, área relacionada à memória, eram mais longos que os do lado direito. Isso sugere uma associação mais fácil do hipocampo com o córtex frontal, o que tornaria Einstein mais capaz de relacionar memórias com raciocínios. O neurologista Britt Anderson, da Universidade do Alabama, percebeu que o córtex de Einstein era mais fino e mais denso que o de outros cinco cérebros analisados. A suposição óbvia é a de que a maior densidade esteja relacionada à genialidade.
A pesquisa mais recente, finalizada há apenas quatro meses pela antropóloga Dean Falk, da Universidade Estadual da Florida, também identificou padrões incomuns de sulcos e fissuras no córtex cerebral. Sua conclusão é surpreendente. Ela sugere que o cérebro de Einstein não era mais eficiente que o de qualquer outra pessoa, mas funcionava de modo diferente. Em seus estudos, Falk constatou uma formação incomum. A fissura lateral do córtex, um sulco que segue o mesmo caminho da haste dos óculos e é associado à linguagem, normalmente termina com uma pequena curva para cima.
O de Einstein convergia para o sulco pós-central, dividindo o cérebro pela metade. "Ainda que grande parte do córtex dele seja comum, o formato da fissura lateral é raríssimo, presente em uma em cada 500 pessoas", explicou a antropóloga a VEJA. Ela sustenta que a configuração rara pode ter causado dificuldades com a linguagem. Essa fraqueza teria sido o incentivo que o levou a desenvolver com maior força o pensamento tridimensional, crucial para a criação da teoria da relatividade.
A maioria dos especialistas acredita que três fatores estão associados a uma inteligência superior. A primeira é uma arborização mais volumosa e rica dos dendritos. Esses prolongamentos do neurônio recebem os sinais elétricos das terminações dos neurônios vizinhos, estabelecendo a comunicação entre eles e transmitindo informações. Ou seja: quanto mais dendritos, mais fácil e veloz seria a comunicação entre os neurônios. O segundo fator é uma maior conectividade entre os neurônios, ou seja, um maior número de sinapses. O terceiro é uma inter-relação mais eficiente de várias áreas do cérebro para realizar uma determinada função. É possível que o cérebro de Albert Einstein operasse de maneira mais eficaz, ou seja, que ele usasse várias partes do cérebro ao mesmo tempo para desempenhar uma função ou fizesse mais conexões sinápticas do que a maioria das pessoas.
O difícil é saber o que teria feito Einstein desenvolver essas habilidades. "Provavelmente, foi uma conjunção de fatores ambientais e genéticos. Ele tinha o potencial mental e estava exposto ao melhor ambiente possível para desenvolvê-lo", diz o neurologista Mauro Muszkat, de São Paulo. As últimas décadas do século XIX foram de grande efervescência intelectual. A velocidade das descobertas eram um incentivo para que um jovem talentoso abraçasse o caminho da ciência. É impossível não perguntar o que poderíamos ter aprendido se o cérebro de Einstein tivesse sido preservado com recursos modernos.
Por outro lado, como seria se ele vivesse nos dias de hoje? A resposta não é muita animadora. As técnicas de ressonância magnética e tomografia computadorizada, que hoje registram o funcionamento do cérebro, não podem dar uma resposta satisfatória sobre o mistério da inteligência humana. Ainda que se possa traçar uma relação entre determinada função e uma área cerebral, a precisão dessas técnicas é a mesma de dizer que a cidade de Niterói está no planeta Terra. "Talvez a resposta esteja em estrutura tão delicadas e diminutas que tentar analisá-las com os exames atuais seja o mesmo que estudar um célula com uma lupa", diz o neurocientista Ivan Izquierdo, diretor do centro de memória da PUC do Rio Grande do Sul. Nem por isso se deve imaginar que o estudo do cérebro de Einstein esteja encerrado. Sobre isso, a antropóloga Dean Falk diz: "À medida que a neurociência avança, o mistério da genialidade de Einstein se torna mais e mais atraente para quem pesquisa a inteligência".
http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia-tecnologia/mente-
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